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De volta à Carta Régia de D. João VI

 
Cláudio Oliveira é economista com extensa atuação em grandes empresas da área industrial e também de serviços. Na Petrobrás, onde também atuou como economista, aposentou-se em 2011. Experiente analista de balanços, Oliveira vê no Brasil de hoje características do período em que D. João VI abriu os portos do país às nações “amigas”, comprometendo sua industrialização. Em contraste, os Estados Unidos usavam o mecanismo de compras governamentais, determinantes para a formação de uma economia pujante, que se tornaria a maior potência mundial.

 
por: Rogério Lessa
“Apenas no Século XX o Brasil pôde ter uma siderúrgica, quando Getúlio Vargas exigiu a criação da CSN, durante a Segunda Guerra. Só existe indústria brasileira hoje por causa disso, apesar dos problemas de corrupção e ingerência política que já existiam na época. Hoje temos o pré-sal, uma grande oportunidade. Mas estamos abandonando o modelo da Noruega, que desenvolve e cria tecnologia, para dar espaço ao modelo nigeriano, exportador de petróleo, que mantém o país no atraso. Significa reeditar a Carta Régia de D. João VI, ou seja, abrir o pré-sal para as nações amigas”, afirma Oliveira. Nesta entrevista, o economista derruba o mito da Petrobrás quebrada, criado pela mídia hegemônica e privatista, expondo contradições evidentes daqueles que pretendem depreciar nossa maior empresa para depois entregá-la a interesses privados, sem compromisso com o desenvolvimento socioeconômico.
A Petrobrás está quebrada?
2016, assisti a jornalista Miriam Leitão dizer na TV que a Petrobrás estava com sérios problemas de caixa e uma dívida impagável, com uma alavancagem muito alta. No entanto a empresa, que sempre teve muito dinheiro em caixa (entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões), possuía US$ 25 bilhões em setembro de 2015. Significa que não havia nenhum problema, mesmo que a dí- vida fosse de US$ 100 bilhões. Naquele ano, houve variação cambial violenta – no final de 2014 o dólar estava a R$ 2,66 e saltou para pouco menos de R$ 4. Como a maior parte da dívida da Petrobrás é em dólares, claro que o montante em real cresceu muito, saindo de R$ 150 bilhões para mais de R$ 400 bilhões. Todavia, a receita da Petrobras é superior a R$ 400 bilhões, maior que o PIB de países como Uruguai, Paraguai ou Bolívia, por exemplo. A dívida, portanto, era perfeitamente administrável.
Disseram também que a Companhia iria precisar de aporte de recursos do Tesouro para sobreviver…
Já estamos em 2017 e não houve nada disso, pelo contrário. No final do ano passado a Petrobrás adiantou R$ 20 bilhões ao BNDES para aliviar o caixa do banco. Terminou 2016 com outros R$ 20 bilhões em caixa e mais R$ 20 bilhões em créditos junto à Eletrobrás. E ainda tem a cessão onerosa, em que a União tem bilhões à repor para a Companhia. Além disso, vendeu mais de US$ 13 bilhões em ativos, dos quais ainda tem US$ 11 bilhões para receber. Ou seja, não há nenhuma necessidade de vender ativos. O próprio diretor financeiro, Ivan Monteiro, afirmou que há recursos para cobrir compromissos nos pró- ximos dois anos e meio. O mesmo dizia o ex-presidente Bendine, que deixou US$ 30 bilhões em caixa.
O nível de endividamento é compatível com os investimentos que a Petrobrás precisa fazer ?
Sem dúvida. Foi dito pela imprensa que o pré-sal não existia. Depois que a Petrobrás não tinha recursos para explorá-lo e, em seguida, que o custo de extração era muito alto. Tudo isso foi superado, o custo de extração é inferior ao das concorrentes e existe tecnologia para tanto. Quando isso ocorre, não faltam recursos. Tanto que nos últimos anos a oferta de recursos tem sido muito mais que o dobro do que a Petrobrás pede. É negócio de altíssimo retorno.
A CVM questiona a metodologia dos balanços feitos entre 2011 e 2014. Quais os pontos relevantes desse questionamento?
São dois pontos, basicamente. O primeiro deles são os “impairments” – ajustes contábeis nos preços dos ativos, que vêm sendo depreciados. Mas existe um processo de 2016 (SP/182), no qual eu mesmo faço a denúncia, focando outro aspecto: a empresa corrigiu suas reservas em função da queda do preço do barril. Há uma crença de quando cai o preço do barril, o resultado da Petrobrás fica prejudicado. Mas é o contrário, e isto está muito claro no balanço de 2015 e 2016. Basta ver as notas explicativas. Cerca de 80% da receita da Companhia provém do mercado interno, e essa receita não tem nenhuma vincula- ção com o preço do barril. É diferente das grandes petroleiras, que são fortemente afetadas. Quando o petróleo perde valor, cai o custo da Petrobrás. Por outro lado, a empresa importa boa parte da gasolina para abastecer o mercado interno e quando o preço do petróleo cai, aumenta a margem de lucro. Com aumento do lucro bruto, aumenta a geração de caixa da empresa.
Então não há nenhum motivo para vender ativos?
Nenhum. A opinião pública está induzida por uma imagem plantada na imprensa e aproveitaram isso para justificar a venda de ativos. Hoje as grandes petroleiras do mundo sabem da importância da verticalização dessa indústria e nós estamos caminhando no sentido inverso. A Petrobrás está se tornando uma empresa para atender à bolsa de valores, escrava do curto prazo, em detrimento de suas fun- ções de empresa estatal, previstas na Constituição.
A venda de ativos a toque de caixa pode ser contestada judicialmente?
Isto certamente ocorrerá. Tudo esta sendo feito ao arrepio da lei. Existe uma grande confusão. Isto desagrada aos acionistas, interessados em dividendos, mas uma estatal tem um papel a cumprir. Não pode se retirar da área de biocombustíveis, por exemplo. O mesmo vale para o conteúdo local. Nesta semana mesmo a Arábia Saudita anunciou o investimento de US$ 50 bilhões para dobrar o conteúdo local, que passaria para 70%. Claro que isso terá um custo, mas também serão gerados 500 mil empregos no país.
A própria venda de ativos estratégicos compromete a geração de lucro e fluxo de caixa no futuro. Não é uma grande contradição?
Certamente. A BR Distribuidora, por exemplo, figurava em 2016 na Revista Exame como a segunda maior empresa do país, do ponto de vista da receita, logo depois da Petrobrás. A terceira empresa é a Ipiranga e a quarta tem participação da Shell. A Vale é apenas a quinta empresa. Se a BR for vendida, quem você acha que vai comprar?
A Petrobrás como um todo sempre foi grande geradora de caixa, correto?
Sim. Entre 2014 e 2016, a geração de caixa da Shell ou da Chevron, por exemplo, caiu para menos da metade. Isto não ocorreu com a Petrobrás, mostrando que a queda do preço do barril não afetou a Companhia. A Esso, que tem receita três vezes maior, em 2016 teve geração operacional de caixa muito menor.
O pré-sal está devidamente registrado no balanço?
Com o regime de partilha, as reservas são da União, apesar de que há países com regras semelhantes e registram reservas nos balanços. A lei diz que a Petrobrás tem preferência na participação, um direito que não está retratado no balanço. Se isso ocorresse o patrimônio líquido seria muito maior. Os agentes financeiros sabem disso, por isso não falta financiamento. Esse direito deveria ser apropriado no patrimônio líquido, mas ainda que não seja a Petrobrás é uma empresa mais do que viável.
 

Fonte: AEPET – Associação dos Engenheiros da Petrobrás

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