Confira a entrevista com o geólogo e ex-diretor da Petrobrás, Guilherme Estrella.
Em uma entrevista objetiva, feita em troca de e-mails, Guilherme Estrella, geólogo e ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobrás entre os anos de 2003 e 2012, respondeu a duas perguntas cruciais e que são de interesse de todos nós. A primeira se refere ao preço dos combustíveis, e a segunda aborda a saída da Petrobrás do Espírito Santo.
Estrella é considerado o “Pai do Pré-Sal”, rótulo que não gosta muito, mas que lhe é dado por muitos por ter seguido em direção a um investimento de risco ao país, o Pré-Sal, e que resultou na maior descoberta de petróleo dos últimos 50 anos, em todo o mundo.
Confira as respostas de Guilherme Estrella logo abaixo!
Por que o preço dos combustíveis está tão alto?
Para entender esta realidade que o Brasil enfrenta não é aceitável que a analisemos apenas em seus aspectos superficiais, que a nada nos levam senão a perder tempo com assuntos que são efeitos – ainda que desastrosos para o povo brasileiro, como os preços dos combustíveis. Há que conhecermos – para que, tão logo quanto possível, as destruamos por completo – as causas originárias desse crime que se comete contra o Brasil.
O preço elevado dos combustíveis no Brasil nada tem a ver com os desinvestimentos da Petrobrás. Ambos estão, sim, relacionados ao projeto de Brasil e sua política econômica, implantado no Brasil desde o golpe de 2016, contra o governo Dilma, democraticamente eleito em 2014.
Este projeto de Brasil tem como eixo e objetivo centrais: a destruição do aparelho de Estado nacional brasileiro e a desnacionalização total da economia do país. Tudo dentro do decálogo do chamado “Consenso de Washington”, um conjunto de políticas nacionais a serem impostas aos países em desenvolvimento – o Brasil como “joia desta coroa” – por instituições financeiras situadas na capital norte-americana, como o departamento do tesouro dos Estados Unidos, o FMI, e o Banco Mundial.
Isto aconteceu em 1989, imediatamente após a queda do Muro de Berlim, que representou o colapso da união soviética e, com resultado, o fim da “guerra fria” e a assunção dos Estados Unidos – como representante do capitalismo mundial – ao poder político econômico geopolítico hegemônico global.
Destas medidas constavam: câmbio de mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro direto com eliminação de restrições, privatização das estatais e desregulamentação/afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas. O item “privatização das empresas estatais” foi religiosamente cumprido nos governos que vieram logo após a ditadura militar. Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique Cardoso (FHC). Cerca de 100 empresas estatais brasileiras foram privatizadas.
Das mais importantes, só a Petrobrás sobrou – no governo super entreguista de FHC – e, assim mesmo, por uma resistência no Senado Federal. Mas esta não privatização da Petrobrás não impediu que o governo FHC implantasse medidas que tiravam do acionista controlador da companhia – o Estado brasileiro, que deveria representar o povo brasileiro e seus inalienáveis interesses – o real poder de gestão da empresa.
Neste sentido, abriu o capital da Petrobrás na bolsa de Nova Iorque, submetendo sua gestão contábil aos padrões da bolsa norte-americana. Isso resultou também na diminuição da participação do Estado brasileiro no total das ações da Petrobrás, hoje reduzido a meros 30%. Em outras palavras, 70% dos lucros/dividendos da Petrobrás vão parar nas mãos de acionistas privados, grande parte deles estrangeiros.
Muito bem, esta é a realidade da Petrobás. Agora entra o aspecto central. Este processo de desnacionalização da Petrobrás foi interrompido nos governos Lula/Dilma, quando a empresa tornou-se um sistema industrial integrado de produção, agregação de valor e distribuição de energia, ligado a petróleo e gás natural. A este espectro foi adicionada a área de biocombustíveis. Este sistema industrial integrado adquiriu dimensão especialíssima após a descoberta dos imensos volumes de petróleo e gás natural do pré-sal brasileiro.
O pré-sal trouxe ao Brasil não só a concreta e permanente autossuficiência energética. mas também a prática de preços desta energia ao consumidor brasileiro, nos menores custos possíveis, necessários para manter a sustentabilidade operacional do sistema e reservas necessárias para novos investimentos. Representa a base centralmente imprescindível para a construção de um projeto nacional desenvolvimentista soberano, autônomo.
Com energia abundante assegurada, a retomada do processo de industrialização brasileira, com a participação direta e em grande escala da empresa privada de capital brasileiro, foi uma consequência natural. Esta foi a causa essencial do golpe de 2016 e da fraude eleitoral de 2018.
Com a derrubada da presidenta Dilma, os representantes dos interesses estrangeiros antibrasileiros retomam o poder no Brasil, cometem o crime jurídico da prisão do cidadão que venceria as eleições de 2018 e produzem a fraude eleitoral do processo eletivo, do que resultou este governo que aí está. Tudo sob a promoção e a atuação direta do governo norte-americano e suas agências – CIA, NSA, Departamento de Justiça.
E estes governos passaram a adotar radicalmente as diretrizes do Consenso de Washington: câmbio de mercado e abertura comercial. E a “joia da coroa” desta estória toda, a Petrobrás – com pré-sal e tudo – como ficou? Como um acionista controlador submisso aos interesses do capital mundial e seu país-representante a resposta é simples e direta: a Petrobrás – como empresa estatal a serviço do Brasil – acabou, não existe mais!
Com a evolução do capitalismo do modelo produtor para o manequim ultraliberal, o governo partiu para o esquartejamento do sistema industrial com gestão integrada e vendeu, rapidamente, inúmeros ativos, de toda a ordem.
E aqui entra um aspecto também central: entregou a gestão da maior, mais importante e mais estratégica empresa estatal brasileira a fundos transnacionais de investimentos, no caso, o black rock e assemelhados. E como estes fundos operam seus ativos? Com foco 100% concentrado em três pontos: lucro máximo, no menor tempo e com o menor risco.
Quais ativos da Petrobrás mais atendem a estes três pontos? Fácil responder: os campos do pré-sal mais produtores – certamente entre os negócios mais lucrativos do mundo – e o abastecimento, monopolista, da região brasileira mais consumidora de combustíveis: o eixo Rio-São Paulo. Por feliz coincidência geológica, justo na área terrestre em frente aos campos do pré-sal, no mar. O resto de tudo, de tudo mesmo, será vendido!
Com o mercado aberto, era preciso aumentar a atratividade do restante de seus ativos à venda, no caso, as refinarias. Era preciso adicionar algo mais que, ao mesmo tempo, garantisse lucro máximo e imediato à Petrobrás e assegurasse aos compradores – fundos transnacionais de investimento – que estes três pontos igualmente estivessem garantidos.
Qual a solução encontrada? Preços internos controlados, nem pensar! Preços internos do petróleo/gás natural iguais aos mundiais poderiam atrair, mas não atendiam à exigência de lucro máximo por parte dos fundos proprietários da Petrobrás. A saída foi fácil, na medida em que obedece aos mandamentos do Consenso de Washington e ao projeto de país ultraliberal financeiro transnacional que este governo entreguista representa: adicionar aos preços internos, já igualados aos preços mundiais, os custos da importação.
É o PPI. Enriquece ainda mais os fundos financeiros, e que se dane o povo brasileiro! O Brasil e suas imensas riquezas naturais não lhe pertencem! Aí incluídos o nosso pré-sal, descoberto no Brasil, por brasileiros, com o conhecimento e a inteligência de brasileiros e por uma empresa estatal brasileira! Simples assim!
E preparemo-nos! O mundo enfrenta uma crise energética sem precedentes, por investimentos decrescentes na produção de energia. A maior parte dos países do hemisfério norte não tem energia para suprirem seus povos com aquecimento com preços módicos neste próximo inverno.
O carvão já quase dobrou de preço no último ano, não será surpresa se o petróleo – hoje com previsão de US$ 83, em dezembro – rompa a barreira histórica dos US$ 100! O black rock vai ficar ainda mais rico e nós, brasileiros, vamos pagar esta conta!
Quais os impactos para a Região Norte do Espírito Santo com a saída da Petrobrás?
A resposta a esta pergunta tem raízes nas mesmas reflexões a respeito do PPI. Está tudo relacionado e não é restrita ou localizada só no Estado do Espírito Santo.
Qual a função de uma empresa estatal? Certamente, a realização de empreendimentos, atividades, operações ligadas à sua origem como empresa, a ter como missão central promover o desenvolvimento econômico, social, cultural da região onde atua.
Como uma representante do Estado brasileiro, da União, tem que cumprir seu papel constitucional, como está no art. 3º da Constituição Federal de 88, itens II: “garantir o desenvolvimento nacional”; e III: “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
Este compromisso com o Brasil foi historicamente cumprido, ao longo de toda sua existência, pelo sistema Petrobrás, em todos os campos em que atua. Este fato foi decisivo para transformar a Petrobrás num símbolo da autoestima do povo brasileiro e numa instituição respeitada por toda nossa sociedade.
Esta realidade começou a mudar nos governos de FHC, como falamos acima. A Petrobrás perde seus laços com esta responsabilidade constitucional, e quase experimentamos, como povo e nação, a vergonha de ter o nome da empresa trocado para “Petrobrax”. A meta central dos governos FHC era tirar o “brás” de tudo e só não teve êxito total por causa da Petrobrás.
Após o golpe de 2016, esse processo foi rápido e extensamente retomado. Em cinco anos a Petrobrás perde o caráter de empresa estatal e adquire a condição de um fundo transnacional de investimentos, como falamos acima.
Toda uma história de ampla inserção nas comunidades locais, com a promoção de atividades de um modo geral, da criação de pequenas empresas locais de serviços e de fornecimento de materiais. De interação com universidades públicas regionais, com cursos técnicos e com a educação em geral e com a cultura tão rica e diversificada de nosso Brasil, toda esta história está sendo jogada no lixo por este governo.
E aqui, tenho que me esforçar para insistir neste ponto: tudo o que está a acontecer na Petrobrás não é iniciativa da Petrobrás! A Petrobrás obedece – como sempre obedeceu em toda sua história, de quase 70 anos – ao governo brasileiro, seu acionista controlador. A Petrobrás, hoje, segue fielmente o projeto de Brasil que estes governos Temer-Bolsonaro implantam no nosso país.
E neste projeto de país, o Norte do Estado do Espírito Santo não está presente! Pelo menos no que se refere à Petrobrás. Assim como a região do Recôncavo Baiano, a região de Sergipe, Alagoas, o Estado do Rio Grande do Norte, a Região Amazônica, as áreas servidas por todas as refinarias, usinas termelétricas, fábricas de fertilizantes e por aí vai. Pequenas empresas de todos os tipos, comércio, serviços em geral, dessas regiões, serão muito prejudicados.