Por Etory Feller Sperandio, geofísico da Petrobrás e diretor de Comunicação do Sindipetro-ES.
A máxima do título pode parecer exagerada, contudo, o contexto atual exige uma reflexão mais aprofundada sobre os acontecimentos, em especial com o expressivo aumento dos combustíveis dos últimos anos. Atingindo preços nunca antes imaginados pelos brasileiros, a gasolina e o gás de cozinha têm se tornado vilões do orçamento daqueles que ainda podem usufruir desses itens. Outra parte da população já cozinha com lenha ou anda a pé. Lançados à miséria e privados do consumo, tornam-se símbolo do retrocesso que toma conta do país, retrato de uma política na contramão do progresso e avessa ao desenvolvimento humano.
Contrariando a própria lógica do mercado, onde a diversidade de concorrentes seria o melhor caminho para reduzir preços e estimular a qualidade dos produtos ou serviços, a atual gestão da Petrobras vendeu duas de suas subsidiárias mais estratégicas: a BR Distribuidora e a Liquigás. São duas importantes empresas a menos em um setor já com poucos personagens. Não bastasse o contrassenso do desfazimento desses negócios por parte da Petrobras, estimulada pelo Governo Federal, seus espólios foram estranhamente devorados por empresas que já dominam esse mesmo setor. Sem concorrência ou freios por parte do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), outro órgão sob gestão do Governo Federal, os preços têm subido descontroladamente nas mãos de monopólios privados.
A Liquigás, subsidiária responsável pelo envasamento, comercialização e distribuição de gás liquefeito de petróleo (GLP), foi posta à venda em sua totalidade no final do ano passado. A transação foi concretizada com a participação dos grupos Copagaz, Itaúsa e Nacional Gás Butano. Cerca de 70% do valor da transação (R$ 3,7 bi) corresponde apenas aos botijões de 13 kg em circulação no país de propriedade da própria Liquigás. Uma lástima! A Liquigás estava presente em 23 estados e atendia praticamente a 83% dos municípios brasileiros, com especial atenção para as periferias onde não existe malha de distribuição de gás encanado, e protegia os consumidores dos efeitos danosos da cartelização do setor. Essa proteção, infelizmente, não existe mais. A gangorra dos preços do mercado agora só se move para cima.
A BR Distribuidora, subsidiária do setor de distribuição e comercialização de combustíveis, foi privatizada ainda nos idos de 2019. Detentora de uma rede de mais de 8 mil postos e atendendo quase 100 aeroportos do país, a BR Distribuidora teve suas ações estraçalhadas pelo mercado e a Petrobras perdeu seu controle acionário. Esse fato, inclusive, merece um longo capítulo de esclarecimentos. Até hoje não se conhecem os verdadeiros “novos donos” da BR Distribuidora. Possuindo um terço do terceiro maior mercado de combustíveis do mundo, a BR Distribuidora era considerada uma das “jóias” da Petrobras, sua subsidiária com maior faturamento, e, mesmo assim, foi extirpada “com o Supremo, com tudo”.
Recentemente, nos deparamos com um golpe ainda mais contundente contra a Petrobras. Estimulada pelo Ministério da Economia, a atual Gestão da Empresa pretende vender metade do seu parque de refino. Parece loucura e é! Ninguém sabe o desfecho dos compradores, mas o final da história é bem conhecido: o Brasil aumentará sua dependência externa, perderá o controle dos preços e engrossará ainda mais as filas de desempregados pelo país. Isso sem contar com a formação de monopólios regionais nas regiões onde essas refinarias estão. Elas foram estrategicamente pensadas para não concorrer entre si, afinal, o objetivo primário das suas localizações era prover o Brasil com combustíveis, evitando o desabastecimento mesmo nos rincões mais afastados dos centros urbanos.
A outra parte da escalada dos preços dos combustíveis se confunde com a adoção do Preço de Paridade de Importação (PPI), iniciado em 2016, pela Petrobras. Em uma tentativa clara de afagar os importadores de combustível, a Gestão da Petrobras à época atrelou seus preços à cotação internacional. Em verdade, muito mais do que isso. Em uma manobra visivelmente duvidosa, a cotação dos preços tornou-se dependente do valor internacional do Brent, da cotação do dólar, das taxas de importação, do custo do frete, dos impostos e dos lucros pretendidos pelas importadoras. Ora, se grande parte do petróleo e derivados consumidos aqui são produzidos em nosso próprio país, porque essa política? Era o preço das mudanças no Planalto.
E a tragédia nacional não tem fim por aí. Nesse mesmo período as refinarias da Petrobras reduziram sua eficiência propositalmente para algo próximo de 70%. Assim, o mercado brasileiro foi inundado de derivados importados. Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), em 2015, a importação de gasolina não ultrapassava o volume de 120 mil metros cúbicos. Dados mais recentes, de 2019, mostram uma importação de quase 5 milhões de metros cúbicos. Com condições tão favoráveis, os importadores não perderam tempo. E os consumidores espantados viam os dígitos nas bombas passarem cada vez mais depressa.
A lógica do “privatiza tudo” é fundada apenas no lucro, e de curto prazo. Não existe compromisso com o desenvolvimento muito menos com o país. Aliás, o mercado de refino, gás e combustíveis é aberto para quem tem o genuíno interesse em investir. Não é preciso dilapidar as Estatais para isso. Se o serviço público se mostra ineficiente, caro e antiquado, como propagam aos ventos os neoliberais, as empresas privadas deveriam provar que podem fazer diferente. No entanto, se valem dos despojos dessas mesmas empresas públicas para conquistar algum feito.
Erra quem acredita que o Brasil pode sobreviver sem a Petrobras. Diminuir seu tamanho também não fará o país ser maior. Sequer avançar. Neste país onde falta confiança para investir e sobra apetite para pilhar, é preciso parar a espremedura das Empresas Públicas. Sem elas, corremos o sério risco de ficarmos privados de tudo.