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“Não eram cinco, eram 20 mil naquela sala”, afirma petroleira

Confira a entrevista com Cibele Vieira, uma dos cinco trabalhadores que ocuparam o Edifício Sede da Petrobrás por 21 dias durante a greve dos petroleiros
Por Guilherme Weimann, do Sindipetro Unificado-SP

 
“Eu gosto é de estudar emoções, petróleo fui estudar depois”. E esse conhecimento de Cibele Vieira, 37 anos, realmente contribuiu nas relações que se estabeleceram a partir do dia 31 de janeiro em uma pequena sala do Edifício Sede da Petrobrás (Edise), localizado na Avenida República do Chile, na cidade do Rio de Janeiro (RJ).
Um dia antes de estourar a greve nacional dos petroleiros, considerada a maior dos últimos 25 anos, cinco diretores sindicais decidiram ocupar o lugar onde são tomadas as decisões da maior estatal do país. O objetivo era abrir um canal de negociação entre trabalhadores e a direção da empresa.
E a formação do grupo, denominado de Comissão Permanente de Negociação, não poderia ser mais representativa: os diretores da Federação Única dos Petroleiros (FUP) José Genivaldo da Silva, Deyvid Bacelar, Tadeu Porto e a própria Cibele Vieira; além de Ademir Jacinto, conhecido como Mãozinha, e dirigente do Sindiquímica-PR. 
Apesar de todas as pressões da direção da Petrobrás, que chegou a cortar por três dias a energia e a água da sala ocupada, os sindicalistas se mantiveram firmes e conseguiram estabelecer um diálogo interno e externo muito frutífero: “O pessoal mais experiente falava que era loucura, mas hoje cinco não são só cinco, porque é possível conversar pra fora”, relata Cibele.
Para a petroleira, que atualmente ocupa a Secretaria de Administração e Finanças da FUP, todas as pautas da greve, suspensa desde o dia 20 de fevereiro, convergem para uma questão mais profunda. Redução de efetivos, tabela de turno, fechamento da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen-PR), demissões em massa sem consulta aos sindicatos: todos esses elementos fazem parte da estratégia do governo para privatizar a Petrobrás.
Por isso, Cibele acredita que as mobilizações da categoria continuarão durante os próximos meses. “Mesmo quando a gente traz uma pauta corporativa, ela não é, de forma alguma, incoerente com a nossa disputa contra a privatização. No Brasil nada acontece antes do carnaval? Esse ano já começou diferente”, avalia.

 

Confira abaixo a entrevista completa:

SINDIPETRO UNIFICADO-SP: Nos 20 dias de mobilização, muitos trabalhadores afirmaram que não gostam de fazer greve, mas a realizam como última alternativa. Qual a sua avaliação dessa greve, que é considerada a maior dos últimos 25 anos?
CIBELE: Eu acho que ninguém gosta, de fato, de fazer greve. Com greve você pode ter um desconto salarial, como a gente teve, e uma pressão enorme da empresa pra você voltar ao trabalho. Do outro lado, você tem a tensão dos próprios trabalhadores. Ou seja, a consciência de cada pessoa dizendo de qual lado ela deve estar. Porque na greve não existe meio termo. Às vezes, no dia a dia, é possível ficar em cima do muro, mas na greve não existe isso. 
É necessária a adesão de cada um por vontade própria, pela consciência de que a greve é justa. Só assim a pessoa consegue aguentar a pressão. Na categoria petroleira, a greve de 1995 é uma lembrança muito forte. O que os petroleiros passaram, com a pressão da opinião pública, vem à tona toda vez que a gente fala em greve. E a gente só faz greve quando se esgotam os caminhos de negociação. Eu tenho 17 anos de Petrobrás e nunca tinha visto, nem de perto, a adesão que essa greve teve. 
Como foi pra você ajudar a liderar a greve desde uma sala ocupada no Edifício Sede da Petrobrás?
A gente não pensava na dimensão que essa ocupação teria. A gente percebia que a greve viria com força. Por isso, tivemos a decisão de fazer essa ação, não por uma dificuldade em mobilizar a base, mas,  sim, por enxergar que esse movimento envolveria ainda mais a base. Não eram cinco, eram 20 mil pessoas representadas naquela sala. Isso deu a força que deu. Todo mundo dando ‘bom dia’ e ‘boa noite’ pra gente lá fora. Foi linda a vigília. Mas a gente não tinha a dimensão do simbolismo que isso se transformaria. O pessoal mais experiente falava que era loucura, mas hoje cinco não são só cinco, porque é possível conversar pra fora. E foi uma representatividade muito grande: um aposentado [José Genivaldo da Silva]; uma mulher [Cibele Vieira]; Deyvid [Bacelar] e Tadeu [Porto], homens negros; e Mãozinha [Ademir Jacinto], um branco, hétero, da Fafen.
Na greve, o tempo sofre uma distensão e, consequentemente, as relações são potencializadas. Tudo parece mais intenso. Como foi pra você conviver numa sala fechada com outros quatro companheiros durante 21 dias?
Foi incrível, cara. Não houve conflito entre nós no convívio lá dentro. A saída do Silva foi um momento bem difícil pra gente, realmente um baque porque era nossa referência mais experiente, o que trazia uma segurança pra todo mundo. Mas a gente entendeu que não tinha jeito, tinha que sair. Ele cumpriria um papel importante do lado de fora que, inclusive, estava precisando. Mas foi incrível. Mesmo tendo divergências de opiniões, o que é normal, em nenhum momento houve um acirramento entre nós cinco. Foi um convívio muito harmonioso. Começava a videoconferência e a conversa rolava no mesmo tom, tudo afinado. Todos os dias houve reunião nacional com todos os sindicatos, isso foi muito importante.
Pra gente, parece que foi muito menos de 20 dias. A gente não parava um segundo. Domingo às vezes era um dia complicado, porque a gente vinha de segunda à sexta sem parar, mal conseguia almoçar. Era muito telefone, entrevista, muita coisa o tempo todo. A gente não parava nem um segundo, literalmente. Quando a gente via o dia já tinha acabado. Mas quando chegava o final de semana dava uma abatida: ‘putz, mais um final de semana aqui’. Sábado era um dia que dava uma descansada e domingo às vezes era o dia que batia o cansaço de estar lá, porque reduzia o ritmo de entrevistas e conversas. Às vezes, a gente ouvia os bloquinhos de carnaval passando na avenida e falava: ‘caramba, a gente vai passar o carnaval aqui dentro’. Mas se precisasse, a gente passaria.
Ao mesmo tempo em que vocês não conseguiram acompanhar o dia a dia da greve de perto, estiveram em diálogo permanente com os petroleiros, inclusive realizaram uma videoconferência com os manifestantes durante o ato no Rio de Janeiro. Como foi a construção desse processo e como vocês receberam as manifestações de solidariedade vindas da rua?
O ato no Rio de Janeiro foi um capítulo à parte. Primeiro que foi o aniversário do Deyvid, que fez 40 anos justamente no dia do ato. Dei um jeito de puxar ele pra máquina de café, onde dava ouvir o pessoal da vigília, daí cantaram parabéns. Isso foi bem bonito. Depois, a gente não sabia que eles iam fazer aquilo [videoconferência] no ato. A gente estava naquela ansiedade de como estava o ato, recebendo fotos, mas não conseguia ver como estava realmente. De repente, a gente recebeu um link para participar de uma videoconferência. A gente ficava assim: ‘com quem será que a gente tá falando? É num celular, é num notebook?’. Quando a gente recebeu a foto no celular que nossa conversa estava sendo projetada no prédio foi uma surpresa. A gente não fazia ideia disso. Eram cinco representando 20 mil, foi muito bonito. 
Qual foi a origem desse processo de privatização da Petrobrás? Essa é a principal pauta em disputa?
Desde 2015, existe um processo de disputa pela privatização da Petrobrás. Todos as outras pautas giram em torno dessa. Ainda mais agora, com a gestão Castello Branco. Porque o Temer acelerou os leilões de petróleo, conseguiu realizar algumas vendas, mas o governo Bolsonaro, através da gestão Castello Branco, realmente veio pra cima do movimento sindical, pra cima da disputa da consciência dos trabalhadores. A gente vê nessa gestão o esvaziamento do espaço de negociação coletiva. Todo o tempo eles tentam colocar somente as alternativas individuais. E eles sabem que pra conseguirem fazer as vendas é necessário acabar com qualquer sentimento de empatia e coletividade. 
Isso a gente vê no próprio dia a dia, com exigência disciplinar muito ríspida, até em relação à corte de cabelo, barba, vestuário. Uma certa militarização dos costumes dentro das unidades. Essa postura também aconteceu na ditadura militar, não é novidade. Porque através do controle dos nossos ritos diários, você vai controlando a cabeça, a mente. Você vai passando um recado de quem manda e quem obedece. E isso está presente no dia a dia do petroleiro e petroleira. Não à toa que a greve veio com essa força. 
O judiciário considerou a greve ilegal, determinou a manutenção de 90% do efetivo da Petrobrás e aplicou multas severas aos sindicatos. Como os petroleiros enxergam esse processo de criminalização do direito à greve?
Foram três telegramas para a casa de cada trabalhador. Um deles como se os trabalhadores fossem réus. Ele não deveria receber nenhum telegrama, mas recebeu como forma de intimidação. Depois recebeu convocatória, e posteriormente advertência. Fora o contracheque zerado. É uma afronta ao direito à greve tudo isso que aconteceu. Foi uma greve contra a privatização da Petrobrás, tendo em torno o preço dos combustíveis, contra o desemprego, e pelo direito à greve. E, no fim, o direito à greve e à democracia foi o que realmente potencializou a mobilização. 
A gente partiu de um desrespeito completo do acordo coletivo, que prevê a discussão de qualquer demissão ou transferência em massa. Os trabalhadores da Fafen ficaram sabendo que estavam sendo mandados embora pela televisão. Eles estavam achando que o sindicato não tinha representatividade na base e poderiam nos tratar do jeito que quisessem. Mas a verdade é que o petroleiro e petroleira, mesmo aqueles que possam não gostar do sindicato por algum motivo, sabem da importância desse espaço.
Quais foram os principais pontos de negociação e qual a avaliação da FUP e dos sindicatos em relação aos pontos acordados?
O próprio Ives Gandra, que julgou a greve ilegal e permitiu que a Petrobrás zerasse os contracheques e realizasse contratação temporária de trabalhadores, foi quem mediou o acordo pra ser metade dos dias compensados e a outra metade descontados. Também aliviou consideravelmente as multas [dos sindicatos]. A gente vê que, na questão do direito à greve, houve uma conquista da pressão popular e da greve em si. Por isso, o saldo é muito positivo.
Na questão da tabela de turno também conseguimos sair com uma vitória. A empresa começaria a aplicar uma nova tabela de forma unilateral, a partir do dia 1º de fevereiro. A gente conseguiu que os trabalhadores agora levem uma tabela sugerida por eles mesmos.
Também conseguimos suspender a demissão da Fafen. Houve a readmissão de 144 trabalhadores, por meio de decisão do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, que já estavam demitidos. E foi a greve que influenciou a juíza a tomar essa decisão, com certeza. As demissões estão suspensas até o dia 6 de março.
Quando foi que você entrou na Petrobrás, em qual função, e posteriormente no sindicato?
Eu entrei na Petrobrás em novembro de 2002, e na faculdade em 2003, ou seja, praticamente ao mesmo tempo. O que eu fui aprendendo, através das Ciências Sociais, fui verificando na prática no movimento sindical. Entrei na Petrobrás como técnica de bens e serviços, mas fui caminhando para gestão de pessoas, até por conta desse perfil de gostar de entender relações entre pessoas. Paralelamente, fui me aproximando do sindicato. Quem me sindicalizou foi um pessoal de São Caetano, da própria base. Nessa época, a própria base cobrava que os outros se sindicalizassem. Mas demorou sete anos pra eu conseguir me convencer a entrar, de fato, no sindicato. Porque, na minha cabeça, eu ia seguir vida acadêmica. 
Quando eu estava na pós de sociopsicologia, queria transformar o meu Trabalho de Conclusão de Curso [TCC] em projeto de mestrado. que tinha a ver, inclusive, com saúde mental e ambiente de trabalho. O meu TCC foi sobre o amor. Eu gosto é de estudar emoções, petróleo fui estudar depois. Mas daí eu desencanei e falei: ‘Eu quero alguma coisa mais prática’. Porque a academia fica olhando sempre para o próprio umbigo. Foi aí que eu decidi não ir para o mestrado e entrar para o sindicato. E aí foi um boom
Em seis meses eu já estava na direção da Confederação Nacional do Ramo Químico [CNQ] como suplente. Em um ano eu estava liberada, e tive a oportunidade de fazer alguns intercâmbios. Fui pra Cuba e Alemanha, pra conhecer algumas formas de sindicalismo e de organização de base. Depois de três anos no sindicato, eu assumi a coordenação do Unificado [Sindipetro Unificado-SP], e fiquei três anos nesse cargo. Nessa época também entrei na CUT [Central Única dos Trabalhadores] de São Paulo, na Secretaria de Juventude. E, na última gestão da FUP [Federação Única dos Petroleiros], eu vim [ao Rio de Janeiro] assumir como Secretária de Administração e Finanças. E estou aí até hoje.
Durante a paralisação, a Dona Madá, sua mãe, recebeu a equipe de comunicação do Sindipetro e disse que “desde muito novinha a Cibele sempre foi muito altruísta, sempre colocou os outros em primeiro lugar e sempre liderou”. Como foi o processo para você se tornar uma liderança sindical? 
De fato, minha mãe foi um capítulo à parte nessa greve. Depois que ela deu essa entrevista no sindicato em São Paulo, ela veio para o Rio de Janeiro. Não aguentou ficar acompanhando de longe e veio pra cá. Fui lá recebê-la na catraca, recebi um abraço e muita energia. Enfim… Eu sempre tive essa questão de me preocupar com o outro. E, de fato, foi assim a vida toda. Agora o porquê eu não sei, mas sempre foi assim. 
Durante a adolescência eu já fazia algumas ações voluntárias. Participava de um grupo que realizava ações recreativas em creches, em lugares que abriga pessoas com deficiência física e em asilos. Esse foi o primeiro start.  Já no terceiro colegial, eu tive o primeiro contato com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Sabia que tinha um acampamento e fomos lá pra dar recreação para as crianças. Além disso, minha irmã advogou para o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), quando eu nem sabia direito o que era. Daí as vezes eu ia com ela, quando tinha risco de despejo nas ocupações. Sempre tive essa relação forte com os movimentos sociais.
Quais são os próximos passos de mobilização dos petroleiros?
Redução de efetivos, tabela de turno, domesticação do dia a dia, fechamento da Fafen sem negociação das demissões: tudo isso está ligado com a privatização. Nossos assuntos corporativos estão totalmente relacionados com a pavimentação do caminho para privatizar a Petrobrás. Mesmo quando a gente traz uma pauta corporativa, ela não é, de forma alguma, incoerente com a nossa disputa contra a privatização. No Brasil nada acontece antes do carnaval? Esse ano já começou diferente.
É um ano no qual está anunciada a venda de oito refinarias. Por isso, a gente coloca como uma pauta central a Política de Preços de Paridade de Importação, porque isso é o que possibilita a venda das refinarias. Se a Petrobrás voltar a influenciar no preço de gás e combustível como ela fazia antes, as empresas privadas não têm como vir concorrer com ela. Então, a Petrobrás precisa encarecer o preço para a população. Ela não só cobra o preço internacional, como acrescenta os custos de importação. Olha que bizarrice. A empresa acrescenta custos que ela nem tem pra tornar o preço dela equivalente ao das importadoras. E quem paga por isso é a população brasileira. A gente sabe que isso está no cerne da disputa. 
 
Via Sindipetro Unificado de SP 
 

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